Sou essa existência que não compreendo, só temo o próprio medo. Às vezes sou grato pela solidão que me faz companhia, às vezes me sinto só ao lado da mesma. Gosto de sons, cheiros e de comunhão. Não gosto de cerimônias. E a solidão me disse que também fica triste quando ninguém está com ela.
Um dia alguém perdeu a orelha porque estava olhando pra uma senhora do outro lado da rua. Isso mesmo, uma senhora, e não uma senhorita. Ele se perdeu no pensamento, reparava como àquela senhora, dona Lupina, tinha envelhecido aparentemente uns cinco anos dentro de apenas um ano, enquanto ele, o alguém, parecia ter a mesma idade e juventude. Dona Lupina estava mais corcunda e mais grisalha. Pensava nisto enquanto um cachorro mordeu sua orelha direita com violência e eficiência pelo lado de dentro da casa, através da grade.
Depois disso foi tudo ruim pra ele, ele foi com a mão no local onde antes havia uma orelha intacta e saudável. Só havia dor, sangue e a saliva do cão, ele tropeçou perturbado e bateu com a cabeça no farol traseiro de um carro. Acordou com um casal o ajudando. Foi pra casa.
Eu, Xis, não gosto de acontecimentos assim.
Existe uma garota que usa tinturas nos cabelos, ela é estúpida. Ela é cobiçada por ser bonita e isso ajuda à sua estupidez que só faz atrasar sua vida. Eu quis entender melhor essa garota. Eu entrei em contato com ela por email, por email ela não parece doida. Mas pessoalmente... Ela ri nas horas erradas. Ela evita o contato de corpo, e quando é declarado que é pra ficar, ela pede pra que você a surpreenda. Fora outras coisas. Ela é bastante estranha. Mas seu corpo não demonstra isso, nem mesmo a tintura em seu cabelo, deixando-a uma branca totalmente artificial de parda que ela é.
Eu, Xis, não gosto de interromper o que estou pensando e digitando mas eu tenho que ir até a casa de um amigo antes que ele venha aqui, lembrei deste compromisso com uma ligação de uma outra pessoa, amiga em comum.
Acho interessante, achei este recado numa calçada no caminho do ponto de ônibus. Tava limpo e dentro de um envelope cor de laranja também limpo. Nele tinha o seguinte:
eu não sei o que desperdiço dentro destas noites balançantes
não sei o que pensam lá fora, no meu colo, com você
explico o que não se explica, me ajoelho ao que recrimina
nada existe além de um medo de não ser feliz
nada existe fora do amor, eu não sei o que pensar em noites como esta
eu imagino o que você sente quando eu não sinto o que se espera
eu adoro seu olhar de duvida, eu duvido do meu olhar de cura
eu me curvo ao desejo seu, eu reconheço você no ar
te espero ansioso, te abraço nervoso, me acalmo sereno em noites como hoje
e eu te amo
e não duvide
eu te amo.
Eu, Xis, compus uma musica, há um tempo, onde
eu colocava coisas parecidas. Talvez um pouco mais apaixonado, talvez não, cada um mede sua paixão. Era mais ou menos assim:
Quando te encontrei / eu nem sei / nem pensei
Que hoje eu e você / sempre vai ser... / me acostumei
Já que te achei / não vou tirar / você de mim
Sempre gostei / mas nunca achei / que fosse assim
Sonhos vindos lá do céu! REFRÂO
Do lado de cá / não sei rimar / com o que senti
Do lado de cá / só sei amar / não sei fingir
Dois nomes / duas cidades / duas condições
Nós dois / diversidade / de emoções
Eu, Xis, gosto de coisas assim, meio líricas. Eu mal acredito na verdade, seja o que for só acredito na paixão e na arte.
Outro pedaço de minha arte:
Me aceitar imperfeito, caminho à perfeição.
E não julgar meus defeitos... Está em minhas mãos não ser assim...
Não se trata angustia, mas sim de solução
Estou buscando ajuda, segura minha mão!
Todo mundo pensa que o risco ajuda
Não, não, não
E quando você chora você sofre e afunda
Não, não, não
Todo mundo pensa q o risco ajuda
Não, não, não
Todo mundo fala, fala, fala, fala...
Em falar em todo mundo, todo mundo não diz muita coisa. É parte da grande história do mundo, mas cada um com poucas participações, só juntando os nomes e ações pra dar algum sentido. Vendo o mundo e todo mundo eu sinto que o mundo mudou e fez de mim mudo e surdo. Um mundo gelado que faz de mim passado. Deitado, calado e sedentário, parece que vou estrelar no fundo do mar, bem escuro e frio, sozinho. Estas praças fazem mal em dias de chuva. O mundo não é mais um lugar seguro, muda a todo minuto, e as chuvas choram ácido de fabricas de aço, o mar está revolto, o mundo muda por segundo.
Aí né! Abílio teve que declarar que tava ficando com duas meninas, mas que estava gostando dela, a tal Amélia. Eles dois são íntimos, têm afinidade e o mesmo humor. Eles dois formam um lindo casal, mas é difícil uma relação como a deles. Por coisas do passado, eles estão quase que impedidos de namorar. Coisa de “ah, você namorou meu irmão e eu já fiquei com sua tia por muito tempo e todos guardam resíduos disso e tudo mais”.
Mas Abílio estava engasgado, e decidiu contar, pra não ter de ficar se contendo sempre e tentando sem muita firmeza uma vez aqui outra acolá.
Amélia reagiu bem e tal, ajudou e entristeceu o pobre Abílio, que também preferia assim, mesmo que suas emoções quisessem o oposto total. Um amor, uma paixão amorosa firme e compromissada com Amélia. Ele pensou em tentar mudar o passado, e tentou matar o passado e viu que só conseguia matar algo que está ao seu alcance. Ele acabou por se matar deixando Amélia apaixonada por ele. Agora com Abílio morto, sem por culpa nela nem nada, ela pensa que se houvesse uma chance mínima de Abílio voltar a viver eles seriam felizes para sempre, ela seria só dele até que ele não quisesse, mas ela estava convicta que ele iria querê-la pra sempre.
Eu, Xis, sinto um conforto frágil, sabendo de tudo que há pra se saber quando se é um mero rapaz de vinte e três anos com uma vida específica e uma experiência específica. Sinto certa melancolia que só morre quando mudo meu humor, de propósito, mudo minhas emoções. Mas nem sempre é fácil. Às vezes até respirar se torna uma ação difícil pra mim.
Tenho dormido demais, dormido com fone de ouvido antes do cd acabar. Dormido sujo, tenho querido não tomar banho escovar os dentes nem tirar os pelos que nascem involuntariamente no rosto ou pelo resto do corpo. Mas não consigo, sempre há algo pra me atrapalhar. E quando quero algo oposto, como mudar pro fuso horário da turma do bem, andar limpo e procurar fazer progresso, também há algo pra atrapalhar. Uma salvação estranha. Uma mulher maluca ou uma boa oportunidade ou uma família. Uma salvação estranha. Uma salvação estranha. Uma salvação estranha. Dentre as salvações, fazer um som é uma das minhas preferidas, me sinto tão vivo e satisfeito, é como um prazer enorme em doses nem muito nem pouco grandes. Mas minhas musicas denunciam meus amores e minhas grades. E eu preciso de certa ajuda, preciso de ouvintes mas preciso das coisas que vejo em meus sonhos também. Gosto de ver com outros olhos. Gosto de ouvir e gosto mais ainda de ser ouvido.
E essa menina da cabeça pesada de tinturas, ela não ouve, quando você pensa que está sendo ouvido você é quem ouve um comentário bizarro sobre algo banal. E tem aquela outra. Uma puta burra pra porra. Ela fica gritando: “Cara, você é o Maximo” “Eu vou lembrar de você quando isso acontecer...” “Me dá essa corrente vai” “Eu, Crismara, perder uma festa?” E eu chego a uma conclusão. É que eu não consigo suportar isso só por sexo. Acabei fazendo outro negócio e até foi legal, elas são legais e burras. Frente ao meu discernimento, são burras demais. Só não sei se isso é um pecado. E não sei se isso também é pecado.