Quando acordei tocava algo dos anos 80 no rádio do quarto, tocava Melanie C no som da sala. Faltava muito pouco para as 18 horas e então fui cuidar do quarto e da higiene pessoal. Hoje eu não queria tomar café, café especificamente, apesar de estar entusiasmado em aprender a preparar meu próprio café.
Mas ficou combinado entre mim e minha mãe que eu voltaria para casa hoje, então arrumei tudo na mochila, me arrumei também e já saí com a mochila e cuia. Estava muito frio e chuvoso, ao meu despertar o sol já havia de ter ficado turvamente indiferente. Passos calmos, duas camisas e um capote por cima, bermuda grossa, tênis e um gorro.
Peguei o ônibus para o centro da cidade, o gorro bege com branco alarmava em discordância com o resto dos trajes, fazendo com que as pessoas me olhassem mais que o normal. Eu queria ter escrito, antes de sair, o quanto eu era grato e me sentia abençoado em ter amigos, e na verdade, eu acho que meus amigos são pessoas melhores do que eu. Mas eu não achei a caneta e a fome me apertava, então, de repente, interrompi meus pensamentos e procurei meu caminho para a rua. Descido do ônibus, achei uma lanchonete qualquer, pedi um tipo de humburger com suco de acerola. A lanchonete era a de meu tio, mas ele nem estava lá. Com o troco comprei três cigarros na kit net ao lado, fósforos já os esperavam no bolso.
Subi em direção à pista de skate, ao estádio de futebol da cidade, mas a chuva me tocou e eu parei por ela. Fiquei a fumar meu primeiro cigarro embaixo de uma cobertura tosca, de uma venda velha e suja, sentei-me ao lado de minha mochila. Fiquei pensativo. Pensativo sobre aquela situação de vida e lembrei-me que me encontrava em frente à maternidade onde eu havia nascido, sem roupas e cheio de inocência, e hoje, cheio de roupas e sem aquela inocência, no mesmo lugar...
A chuva se foi e o cigarro acabou, continuei então o caminho que ia seguindo, quando chegava próximo ao meu local de destino encontrei um amigo, o Papa, um conhecido da tribo rock-rua daqui da cidade. Cumprimentamos-nos e ele me informou sobre os últimos acontecimentos da banda de rock a qual eu já fiz parte. Expliquei-me um pouco sobre “eu e aquela mochila” e aquele capote enorme, o que fazia da minha aparência a mesma de um gringo. Segui, pensei que o local estaria vazio, mas, melhor que isso, estava começando um ensaio de fanfarra, algo da filarmônica da cidade. Achei o máximo toda aquela percussão, toda aquela gente em sincronia, todo aquele perigo de errar, os garotos dos metais fazendo as melodias.
Fiquei ali em pé observando, mas percebi rapidamente que nesta condição eu estava mais sendo observado e então me sentei, me misturei à paisagem local, encostado ao alambrado, sentado no meio-muro, com a mochila do lado. Foi maravilhoso porque quando eu era pequeno eu tinha muita agonia de lugares ensolarados e cheios de pessoas e barulhos, mas ali, naquela noite, estava tudo muito frio, espaçoso e tinha pouca pessoa que não fazia parte da fanfarra. Um camarada passou por perto de mim duas vezes, de bicicleta, roubando intencionalmente minha atenção. Acendi, neste momento, meu terceiro cigarro e me permiti ser levado pela musica. Havia também ali pertinho um ensaio de um grupo de meninas dançando ao som da mesma musica, na mesma sincronia, marchando com bandeiras e coreografando. O camarada passou mais uma vez e desta vez falou comigo.
-E aí, curtindo o ensaio, não é? – Perguntou o camarada.
Respondi que sim, que gostava muito de ensaios, então ele disse:
-Você não lembra de mim, mas eu te conheço. Eu sou Mário, fui eu que fiquei te chamando de Joy na ultima apresentação da banda que vocês tocaram, lá na UNEB. Eu senti que o vocalista não gostou e aí que fiquei pedindo um monte de musicas dos Ramones.
Então eu disse a ele que me lembrava sim, por alto, da coisa do Joy, mas que não lembrava realmente da fisionomia dele.
-Prazer em conhecê-lo, cara. Eu sou o Jonas. – Eu disse.
Falei sobre o tal show e conversamos sobre musica, união e política aqui da cidade. Eu disse que tinha que ir, apesar de estar curtindo muito o ensaio e a conversa. Ele perguntou pra que lado eu ia, respondi apontando para um lado da cidade e então ele disse:
-Vamos lá, eu já estava seguindo para a praça mesmo.
Fomos caminhando, ele empurrando sua bicicleta ia falando que não tinha um emprego, mas que se virava para comprar uma bicicleta, um “shape” para montar um “carrinho”. Me contou como funcionava o esquema de fazer dinheiro. Neste meio tempo um homem de uns 30 anos montado numa moto e sem capacete ficou fitando meus olhos. Eu notei e o Mário também. O homem disse:
-Fala Bira! – Em voz alta.
-Como é que é? – Eu ri.
-Você não é filho de Bira? – Perguntou o homem, confuso.
-Nunca fui! – Respondi sem demora e voltei a mesma velocidade de antes ao caminhar. Daí o Mário disse:
-O que foi isso, cara? – Com cara de revolta.
-Sei lá, o cara me confundiu, não viu? – Perguntei.
-Mas e se ele tivesse algum problema com esse tal filho do Bira? – Perguntou ainda com tom de raiva.
-Aí seria um problema a resolver. – Respondi com bom humor e falei que de ali em diante eu seguia para outro lado. Mário despediu-se:
-Porra, velho, “brigado” quando for rolar show me fale, apareça mais nas ruas, eu sou como o rio, num paro de correr nunca!
-Falou mano, é isso aí! – Falei.
-Falou man! – E montou na bicicleta, tomando distancia rapidamente.
Continuei a andada a caminha à casa, agora estava entrando no bairro onde morava. Depois de uns 10 minutos andando eu avistei, na varanda de uma casa de umas amigas, um garoto conhecido, chamava-se Ruan. Parei para falar com Ruan, mas não queria ser visto por sua família pois queria chegar mais cedo em casa. Ruan já havia esquecido quase que completamente o idioma português, pois mora na Itália,e mesmo vindo para cá todas as férias pois a família da mãe é brasileira, não estava conseguindo me entender. Sua mãe me viu, ela gosta muito de mim e é recíproco, ela me chamou para entrar, fez festa, tive que entrar, com a mochila e o cansaço. Tivemos aquelas conversas de quem não se viu faz tempo, falando sobre todos os familiares, sobre as ocupações e possíveis novidades. Fiz a visita ser mais curta e forcei uma despedida com cautela. Vim andando para casa, a noite já estava pesando em meus ombros, cheguei em casa, enfim.
Fora minha mãe e meu cachorro, ninguém falou comigo e nem falei com ninguém, e, ao meio de uma típica briga de meus pais traduzida num bem-vindo entrei no quarto, olhei no espelho e fiz uma pergunta sem motivo nem resposta lógica:
-Quem sou eu? – Pensei.
-Meu nome é Jonas.